sexta-feira, 18 de março de 2011

O Sermão da Montanha (I)

(a partir de Mateus)

Mateus estabeleceu uma estrutura diferente de Lucas. Este apresenta quatro bem-aventuranças (Mt. oito), quatro “ais” (Mt. os põe em número de sete no c.23.13-29), Lucas fala apenas da vingança, do amor ao próximo, do juízo temerário e apresenta três parábolas: cego que guia outro, a árvore e seus frutos (Mt. põe no c.12.33-37) e os dois fundamentos.
A única fonte extraída de Marcos para o sermão da montanha de Mateus foi o 5.13 (Mc. 9.49-50 que faz uma alusão a Lv. 2.13; Ez. 43.24).

A estrutura se apresenta da seguinte forma:

•Introdução: 5.1-2;
•As bem-aventuranças: 5. 3-12;
•A missão dos discípulos: 5. 13-16;
•A nova interpretação da Lei: 5. 17-48;
•O verdadeiro valor do comportamento religioso: 6. 1-18;
•O viver sereno e confiante: 6. 19-34;
•Três exortações e uma máxima (v.12): 7. 1-12;
•A prática da palavra de Cristo: 7. 13-27;
•A reação da multidão: 7. 28-29.

Introdução: 5.1-2 (Lc. 6.20)
A visão panorâmica: dois círculos de ouvintes, a multidão atrás e os discípulos próximos; o monte donde desce a palavra; a atitude de Jesus e a qualificação da palavra de Jesus como ensinamento.

5.1 - Vendo Jesus as multidões, subiu ao monte, e, como se assentasse, aproximaram-se os seus discípulos;

As multidões no segundo plano são os ouvintes que ficarão maravilhados, elas constituem os potenciais discípulos, as quais a igreja deve levar os ensinamentos de Cristo (28.19-20).
O monte não tem um valor topográfico. Significa o lugar da revelação divina. Outrora, para os israelitas, em Moisés, fora o Sinai (n.r.:BARBAGLIO, FABRIS e MAGGIONI. Os Evangelhos (I). Edições Loyola. São Paulo, 2ª ed. 2002. p. 109); para Ló, o lugar de refúgio (Gn. 19.17); para Abraão, o lugar da provação (Gn. 22.2); foi num monte que foi construído o templo (2Cr. 3.1). Lucas situa este sermão na planície (Lc. 6.17). Jesus fala sentado, esta é a posição do mestre e a sua palavra possui um tom de autoridade.

5.2 - e ele passou a ensiná-los, dizendo:

Mateus qualifica a fala de Jesus como ensinamento para indicar a interpretação da palavra normativa de Deus contida no AT. Cristo é seu intérprete autorizado.

As bem-aventuranças 5. 3-12 (Lc. 6. 20-23)
O texto é artístico, composto por duas estrofes, cada uma com quatro bem-aventuranças (3-6, 7-10). A promessa do Reino aparece no início da primeira estrofe e no fim da segunda. “Justiça” significa o cumprimento da vontade de Deus. A nona bem-aventurança (vs.11-12) se liga a oitava no que se refere aos “perseguidos”; contudo, ela se apresenta à parte como desenvolvimento da oitava. Há também uma alteração em Mateus em relação a Lucas, Mateus usa a terceira pessoa para dar um tom universal (com exceção da nona bem-aventurança), enquanto Lucas as apresenta em segunda pessoa.
Outra diferença importante: em Lucas as bem-aventuranças são mais objetivas: pobreza, fome, lágrimas e perseguições, falando às necessidades imediatas dos ouvintes; enquanto Mateus as espiritualizou, enfatizando os aspectos morais dos ouvintes. Em Mateus, Jesus felicita aqueles que querem ter um relacionamento com Deus e com o próximo. Veja o esquema Mateus / Lucas:

• Pobre de espírito / pobre;
• Choram - consolados / choram - riem;
• Fome e sede de justiça / fome;
• Perseguidos por causa da justiça / perseguidos;
• Manso – terra futura;
• Misericórdia – misericórdia futura;
• Limpos de coração;
• Pacificadores – futuros filhos de Deus.

O gênero literário das bem-aventuranças não é novo, também se pode encontrá-lo no AT, p. ex. Sl.1.1-2 felicita os fiéis seguidores da lei de Deus. Em Mateus, as bem-aventuranças têm um cunho escatológico como em Dn. 12.12.
As Bem-Aventuranças, entre os versos 3 e 10, tem uma estrutura com três acentos, ligados pelos verbos.

Primeiro Acento: a Felicidade;
Segundo Acento: as Exigências;
Terceiro Acento: a Promessa.

V.3 - Bem-Aventurados / os pobres de espírito / deles é o Reino dos Céus.
V.4 - Bem-Aventurados / os que choram / serão consolados.
V.5 - Bem-Aventurados / os mansos / herdarão a terra.
V.6 - Bem-Aventurados / os que têm fome e sede de justiça / serão fartos.
V.7 - Bem-Aventurados / os misericordiosos / alcançarão misericórdia.
V.8 - Bem-Aventurados / os limpos de coração / verão a Deus.
V.9 - Bem-Aventurados / os pacificadores / serão chamados filhos de Deus.
V.10 - Bem-Aventurados / os que sofrem perseguição por causa da justiça / deles é o Reino dos Céus.

Em cada acento ou destaque, há uma área importante, que define a personalidade do discípulo de Jesus.

Observação: há a ligação entre os versos pelos verbos: 3-10 (presente) / 4-9 (futuro passivo) / 5-8 (futuro ativo) / 6-7 (futuro passivo). O nome disto é “ESTRUTURA QUIÁSTICA” . (Fonte: Kibuuka, Brian. O tríplice ministério de Jesus. Apostila).

V.3 - “A primeira bem-aventurança é para os humildes, isto é, para aqueles que se apresentam com as mãos vazias diante de Deus” (Barbaglio, 2002, p.113). A palavra grega (ptochós) expressa uma pobreza absoluta, usada para aquele que dependia totalmente do favor alheio. É evidente a espiritualização de Mateus em relação a Lucas 6.20.

V.4 - A segunda bem-aventurança fala àqueles que estão em aflição, a promessa é o consolo. Provavelmente Mateus tinha em mente Is. 61.1-2, diferentemente de Lucas que fala do riso, numa perspectiva menos espiritual e mais objetiva (6.21b).

V.5 - Uma vez que Mateus traz em seu evangelho um número significativo de passagens do VT, há uma grande probabilidade dele estar citando o Sl. 37.11. Não há dúvida que esta bem-aventurança se refere às relações humanas, do qual Cristo é nosso modelo (11.29). Também podemos considerar Zc. 9.9 citado em 21.5. Em princípio, a terra se refere à terra de Canaã concedida pelo Senhor a Israel, já em Is. 66.22 fala-se num sentido escatológico para indicar os novos céus e a nova terra.

V.6 - A quarta bem-aventurança também se pode observar a espiritualização de Mateus em relação a Lucas 6.21a. O faminto de Mateus é aquele que anseia realizar a vontade de Deus, que não se conforma com a injustiça ao seu redor. A promessa futura é a plena satisfação.

V.7 - A misericórdia em Mateus é operosa e concreta e não um mero sentimento de compaixão. Para Mateus a misericórdia tem mãos, ela realiza (18.33; 25.35-37); também traz a idéia de perdão e recomeço (6.12,14-15).

V.8 - A linguagem da sexta bem-aventurança traz aspectos relacionados ao culto. Para o israelita se aproximar do templo e prestar seu culto era necessário que fizesse as purificações rituais; contudo, logo se observará que somente isso não era suficiente. A pureza necessária é muito mais moral do que ritual (Barbaglio, 2002), assim, Mateus alude ao Sl. 24.3-4 em que apenas os limpos de coração verão a Deus.

V.9 - Outro salmo oferece o motivo da sétima bem-aventurança: “Procura a paz e segue os seus passos” (34.14). Considerando que Mateus dirige seu evangelho a uma comunidade cristã, a referência à paz se aplica imediatamente às relações entre os irmãos e posteriormente às relações entre todos. Aqueles que se esforçam para promover a paz são parecidos com Deus.

Vs.10-12 - A oitava bem-aventurança traz a promessa da primeira (o reino dos céus) para aqueles que obedecem à vontade de Deus (justiça) e por conseqüência disso, são perseguidos.
A perseguição era bastante forte nos primeiros dias da igreja, por isso esta bem-aventurança recebe um desenvolvimento mais detalhado. No desenvolvimento, Mateus mudará o tratamento universal expresso em terceira pessoa para segunda pessoa num tratamento mais direcionado à comunidade. Mateus precisava lembrá-los que os sofrimentos decorrentes da fé em Jesus trariam uma recompensa nos céus e que tais sofrimentos deveriam levá-los ao regozijo por saber que Deus preparou algo superior. Mateus procura lembrá-los da história dos profetas, os quais também foram perseguidos e muitos foram mortos por sua fidelidade ao Senhor. É provável que Mateus tenha desenvolvido essa última bem-aventurança a partir das palavras de Jesus registradas por ele mesmo em 10.16-39. Também se pode considerar, a partir de outros textos, que a bem-aventurança para os perseguidos por causa de Cristo fazia parte de um ensino bastante difundido na igreja primitiva (1Pe. 4.13-16), cujo objetivo era trazer conforto e esperança.

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