terça-feira, 7 de novembro de 2017

Aliança ou Testamento?


“Semelhantemente, depois de cear, tomou o cálice e disse: Este é o cálice do novo testamento no meu sangue derramado em favor de vós”. Lucas 22: 20.


Havia duas palavras na língua grega que expressavam a idéia de acordo entre partes, "suntheke" e "diatheke". Contudo, cada uma continha um conceito diferente de acordo. "Suntheke" era usada para indicar um acordo entre partes iguais, isto é, contratos em que as partes costuravam juntas, cada qual contribuía com sugestões que seriam incorporadas ao contrato. Usada para casamentos, acordos comerciais entre indivíduos ou acordos de paz entre Estados. No conceito de suntheke estava incluso a idéia de igualdade. A encontramos na versão grega do Velho Testamento em Josué 9: 6, que descreve a aliança entre Israel e os Gibeonitas; Juízes 2: 2, que descreve alianças entre os habitantes de Canaã e Israel e 1º Samuel 23: 18, que descreve aliança entre Davi e Jônatas.Diatheke, por sua vez, indicava um acordo em que uma parte determinava sozinha as cláusulas do contrato, essa parte determinante assumia uma posição de superioridade sobre a outra que deveria apenas aceitar ou rejeitar, não poderia jamais alterar um item sequer. No Velho Testamento foi utilizada em Gênesis 9: 12 para descrever a aliança entre Deus e Noé; em Gênesis 17: 4, para descrever a aliança de Deus com Abraão e em Deuteronômio 4: 13, para descrever a aliança de Deus com Israel.
Diante disso, ao analisarmos a palavra utilizada por Lucas no versículo acima, descobrimos que ele utiliza diatheke, não somente ele, mas também Mateus (26: 28), Marcos (14: 24), Paulo (Romanos 9: 4) e o escritor aos Hebreus (7: 22; 8: 6, 9, 10; 12: 24; 13: 20), todos eles usam-na para descrever o acordo estabelecido por Deus aos homens. Cuja idéia principal estabelece a superioridade de Deus sobre os homens.
Ao pesquisarmos na nossa cultura e idioma uma palavra que trouxesse o conceito de acordo entre partes que não estão numa posição igualitária, vamos encontrar TESTAMENTO. Testamento é um acordo estabelecido por uma parte, o testador, que assumi uma posição de superioridade, que por si só e por sua inteira vontade, estabelece os itens desse acordo, não cabe a outra parte nenhuma participação, alteração ou imposição sobre ele, mas somente aceitar ou rejeitar.
A partir daí, é nos apresentado todo o conceito da salvação oferecida por Deus através de Jesus Cristo. Visto que Deus estabeleceu uma grande salvação, na qual é oferecido ao homem um acordo segundo a vontade de Deus. Todas as cláusulas desse acordo são apresentadas por Deus no Evangelho. A parte do homem consiste em: Reconhecimento de sua condenação por causa de seus pecados; Arrependimento deles todos; Fé em Cristo que morreu como substituto por nós, levando sobre si todos os nossos pecados; Aceitação incondicional do senhorio de Cristo sobre sua vida, ou seja, tomar sobre si o Seu julgo. A Deus cabe: Conceder ao homem vida eterna; Transformá-lo mediante a presença incondicional do Espírito Santo na sua vida; Dar-lhe vitória sobre o pecado e conceder-lhe paz com Deus. Tudo isso já foi estabelecido por Deus, o homem não pode alterar nenhuma das promessas estabelecidas, nem acrescentar, nem extrair. Somente aceitar ou rejeitar.
A idéia de testamento é ainda mais fortalecida pela morte do testador, Cristo. “Porque onde há testamento é necessário que intervenha a morte do testador; pois um testamento só é confirmado no caso de mortos; visto que de maneira nenhuma tem força de lei enquanto vive o testador” (Hebreus 9: 16, 17). Isso significa que Deus tomou a iniciativa, por sua riqueza em graça, de oferecer uma salvação ao homem que não tinha nenhum direito e que não merecia nada.

quarta-feira, 26 de julho de 2017

CABECA PRA CIMA - CURIOSIDADES BÍBLICAS 2

terça-feira, 1 de novembro de 2011

Sermão da Montanha (II)

(a partir de Mateus)

A missão dos discípulos 5.13-16

(Mc. 9.49-50; 4.21; Lc. 14. 34-35; 8.16)

5.13-16 – Vós sois o sal da terra; ora, se o sal vier a ser insípido, como lhe restaurar o sabor? Para nada mais presta senão para, lançado fora, ser pisado pelos homens. Vós sois a luz do mundo. Não se pode esconder a cidade edificada sobre um monte; nem se acende uma candeia para colocá-la debaixo do alqueire, mas no velador, e alumia a todos os que se encontram na casa. Assim brilhe também a vossa luz diante dos homens, para que vejam as vossas boas obras e glorifiquem a vosso Pai que está nos céus.

Há uma relativa mudança de foco, enquanto nas bem-aventuranças há uma ênfase sobre as exigências para os súditos do reino em relação a Deus, aos homens e a sua condição neste mundo; aqui, se apresenta a responsabilidade dos discípulos diante do mundo através das boas obras.

Mateus é o único que insere essa exortação no sermão da montanha, apesar de estranha ao tema, ele faz uma re-leitura para acentuar as boas obras.

Tanto em Marcos quanto na fonte Q, o valor proverbial do sal é a prudência e a sua ausência é a estupidez (Barbaglio, 2002), assim também quem acende uma lamparina e põe debaixo do móvel evidencia uma estupidez. É provável que fosse esse o sentido primário dessas palavras.

Ao introduzir a figura da cidade edificada sobre a montanha, Mateus aponta para a dificuldade de se esconder a Palavra de Deus nos corações sem que esta se mostre àqueles ao redor através das boas obras. A cidade sobre o monte como fonte da Palavra de Deus pode ser vista em Is. 2.2-3 e 60.1-3.

A imagem da luz como sendo o Senhor Jesus aparece em Is. 42.6 e 49.6. Isto é ratificado por João no quarto evangelho, onde Jesus é apresentado como luz do mundo (Jo.8.12; 9.5).

As boas obras apontadas por Mateus não se referem às práticas religiosas ou ascéticas[1], mas às ações concretas que se refletem no próximo, principalmente nos inimigos (5.44-45).

Esta palavra de Mateus nos mostra uma comunidade cansada e inativa, que precisava ser sacudida com “ameaça” de juízo e racionalização: “se o sal tornar-se insípido... pisado pelos homens” ou “não se acende uma lâmpada para se colocar embaixo do móvel...”.

A nova interpretação da lei 5. 17-48

(Lc. 6. 27-30, 32-36; 16.17)

Não podemos ignorar que Paulo também fará uma nova interpretação da lei (Rm.3.31; 7), mas isso ficará para mais adiante.

A mensagem principal dessa seção é “Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste” (v.48).

A função da lei 5. 17-20

5.17-20 – Não penseis que vim revogar a Lei ou os Profetas; não vim para revogar, vim para cumprir. Porque em verdade vos digo: até que o céu e a terra passem, nem um i ou um til[2] jamais passará da Lei, até que tudo se cumpra. Aquele, pois, que violar um destes mandamentos, posto que dos menores, e assim ensinar aos homens, será considerado mínimo no reino dos céus; aquele, porém, que os observar e ensinar, esse será considerado grande no reino dos céus. Porque vos digo que, se a vossa justiça[3] não exceder em muito a dos escribas e fariseus, jamais entrareis no reino dos céus.

Após as exortações das bem-aventuranças e o apontamento da missão dos discípulos em relação às boas obras, Mateus chega ao ponto central do discurso, a nova interpretação da lei. Sua comunidade de judeu-cristãos tinha uma forte ligação com a lei e fica evidente o debate entre anular a lei ou segui-la nos pormenores. Além do mais, existia uma forte oposição dos rabinos da sinagoga e dos fariseus sobre a observância literal da lei contra a posição mais liberal dos judeus helenistas, que enfatizavam o “espírito” da lei. Essa controvérsia provavelmente foi trazida para a comunidade cristã. Por isso, era preciso esclarecer até que ponto a lei de Moisés deveria ainda reger as vidas dos cristãos, visto ser ela a revelação de Deus no Sinai.

Para Mateus, a lei não foi anulada e sim reinterpretada de forma definitiva pelo Senhor. Nele, ela foi plenamente cumprida (3.15; 9.13; 12.12). Assim, Mateus tenta conciliar a continuidade e a ruptura, enfatizando que a prática da lei deve exceder à dos mestres e fariseus e que por outro lado sua prática não abre a porta para o reino dos céus (19. 16-21).

Da fonte Q provém o v.18, da qual também Lucas compartilha (Lc. 16.17).

Não matarás 5. 21-26

(Lc. 12. 58-59)

5.21-26 - Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; e: Quem matar estará sujeito a julgamento. Eu, porém, vos digo que todo aquele que sem motivo se irar contra seu irmão estará sujeito a julgamento; e quem proferir um insulto a seu irmão estará sujeito a julgamento do tribunal; e quem lhe chamar: Tolo, estará sujeito ao inferno de fogo. Se, pois, ao trazeres ao altar a tua oferta, ali te lembrares de que teu irmão tem alguma coisa contra ti, deixa perante o altar a tua oferta, vai primeiro reconciliar-te com teu irmão; e, então, voltando, faze a tua oferta. Entra em acordo sem demora com o teu adversário, enquanto estás com ele a caminho, para que o adversário não te entregue ao juiz, o juiz, ao oficial de justiça, e sejas recolhido à prisão. Em verdade te digo que não sairás dali, enquanto não pagares o último centavo.

O sexto mandamento do decálogo, “Não matarás” (Ex. 20.13 e Dt. 5.17), é ampliado para abarcar a fúria, o xingamento e o ódio.

Os três níveis de julgamento eram normalmente indicados para o assassinato, Jesus os utiliza para a ira: tribunal local, Sinédrio e o geena de fogo.

O perdão é um tema recorrente em Mateus (vs.24-25; 18.21-22,35). A expressão “ao trazeres ao altar a tua oferta” indica que os cristãos ainda freqüentavam o Templo e participavam dos ritos (At. 21. 23-26).

Há uma dupla exortação: 1ª - o temor ao tribunal humano: matar, irar e insultar; 2ª - o temor ao tribunal divino: as ações já mencionadas mais o xingamento. Assim como o acordo evitaria o tribunal humano, assim também o divino poderia ser evitado com a reconciliação.

Lucas apresenta os vs. 25 e 26 (Lc. 12. 35-59) num sentido escatológico, exortando os cristãos a uma urgente reconciliação.

Não adulterarás 5. 27-32

(18. 8-9; 19. 3-9; Mc. 9. 43-48; 10. 2-12; Lc. 16. 18)

5.27-32 - Ouvistes que foi dito: Não adulterarás. Eu, porém, vos digo: qualquer que olhar para uma mulher com intenção impura, no coração, já adulterou com ela. Se o teu olho direito te faz tropeçar, arranca-o e lança-o de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não seja todo o teu corpo lançado no inferno. E, se a tua mão direita te faz tropeçar, corta-a e lança-a de ti; pois te convém que se perca um dos teus membros, e não vá todo o teu corpo para o inferno. Também foi dito: Aquele que repudiar sua mulher, dê-lhe carta de divórcio. Eu, porém, vos digo: qualquer que repudiar sua mulher, exceto em caso de relações sexuais ilícitas, a expõe a tornar-se adúltera; e aquele que casar com a repudiada comete adultério.

No decálogo, proibia-se o adultério (Ex. 20.14; Dt. 5.18), mas também o desejo de possuir a mulher do próximo (Ex. 20.17; Dt. 5.21). Jesus os coloca no mesmo nível. Num contexto cultural em que a mulher sempre era vista com acepção e sempre punida pelo adultério, Jesus apresenta um mandamento exclusivamente masculino.

Tanto Mateus quanto Marcos utilizaram os vs. 29 e 30 num outro contexto, em que aplicaram aos crentes que fizessem tropeçar um novo convertido ou um irmão fraco na fé (18. 8-9; Mc. 9. 43-48).

Um acento sapiencial é marcado nos vs. 29 e 30: “vale a pena sacrificar um bem precioso, mas parcial, para preservar o bem total”. (Barbaglio, 2002). O objetivo final é a salvação.

O divórcio foi regulamentado pela lei (Dt. 24. 1-4); visto que a lei era bastante “frouxa” em relação ao divórcio, o abuso era evidente. Por isso, Mateus estabelece um único critério para o divórcio (5.32; 19.9); Marcos e Lucas ignoram esse critério (Mc. 10.11-12; Lc. 16.18), Paulo também (1Co. 7.10-11).

Não jurarás falso 5. 33-37

5.33-37 - Também ouvistes que foi dito aos antigos: Não jurarás falso, mas cumprirás rigorosamente para com o Senhor os teus juramentos. Eu, porém, vos digo: de modo algum jureis; nem pelo céu, por ser o trono de Deus; nem pela terra, por ser estrado de seus pés; nem por Jerusalém, por ser cidade do grande Rei; nem jures pela tua cabeça, porque não podes tornar um cabelo branco ou preto. Seja, porém, a tua palavra: Sim, sim; não, não. O que disto passar vem do maligno.

A proibição contra o falso juramento ou voto na lei encontra-se em Lv. 19.12; Nm. 30.2 e Dt. 23.21. O primeiro pode estar sendo referido ao relacionamento social, mas os outros dois apontam claramente para as relações entre o homem e Deus. Além do decálogo que proíbe a pronuncia do nome de Deus em vão (Ex. 20.7; Dt. 5.34).

Nenhum ser humano tem o controle sobre o céu, a terra, Jerusalém ou até mesmo sobre si para oferecer como garantia. Jesus ensina seus discípulos o falar sincero e franco.

O uso de juramentos era evidentemente uma prática bastante comum e já desacreditada.

“Olho por olho, dente por dente” 5. 38-42

(Lc. 6. 29-30)

5.38-42 - Ouvistes que foi dito: Olho por olho, dente por dente. Eu, porém, vos digo: não resistais ao perverso; mas, a qualquer que te ferir na face direita, volta-lhe também a outra; e, ao que quer demandar contigo e tirar-te a túnica, deixa-lhe também a capa. Se alguém te obrigar a andar uma milha, vai com ele duas. Dá a quem te pede e não voltes as costas ao que deseja que lhe emprestes.

A lei veterotestamentária do Talião (Ex. 21. 23-25; Lv. 24. 19-20; Dt. 19.21) é também estendida até a anulação. O propósito dessa lei era manter um equilíbrio entre o dano e a punição, refreando a vingança e impedindo a violência.

O Senhor Jesus ensina seus discípulos a abrirem mão da retaliação permitida pela lei. Ele apresenta quatro exemplos de comportamentos aceitos socialmente e instintivos na resistência ao perverso: “bateu-levou”; “o que é meu ninguém leva”; “só vou onde quero” e “emprestar, nem pensar”. Os quais devem ser feitos o oposto.

Amarás ao próximo 5. 43-48

(Lc. 6. 27-28,32-36)

5.43-48 - Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: amai os vossos inimigos e orai pelos que vos perseguem; para que vos torneis filhos do vosso Pai celeste, porque ele faz nascer o seu sol sobre maus e bons e vir chuvas sobre justos e injustos. Porque, se amardes os que vos amam, que recompensa tendes? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes somente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os gentios também o mesmo? Portanto, sede vós perfeitos como perfeito é o vosso Pai celeste.

Este ensino resulta de algumas suposições feitas pelos judeus na interpretação da lei: 1ª o meu próximo é meu compatriota; 2ª o meu inimigo não é o meu próximo, logo não preciso amá-lo. A discussão sobre quem é o próximo fica evidente na pergunta do interprete da lei a Jesus (Lc. 10.29).

Jesus ensina o amor a todos, não somente aos membros do grupo nacional e familiar, mas até mesmo aos inimigos. Os inimigos são também os perseguidores. Mateus já prepara sua comunidade para evangelização das nações.

As exigências do amor buscam referência em Deus, em seu exemplo (v.45). O filho deve ser semelhante ao pai.

A expressão “Sede vós perfeitos” tem valor cultual, pois faz referência ao sacrifício oferecido no VT (Rm. 12.1).



[1] Devoto, místico; contemplativo.

[2] Sinal gráfico.

[3] A prática da lei.